Falastes, porém… Ficastes leve?

Sinceridade é considerada uma virtude social e não teria porque não ser. Ser sincero é falar a verdade, o que sente, não omitir ou mentir, é uma qualidade desejável a qualquer ser humano.
Diz o dicionário Priberam, da língua Portuguesa: “1. Qualidade de sincero; 2. Misto de franqueza e verdade.” Assim, tratar com uma pessoa sincera, é tratar com alguém honesto, de caráter e confiável. E isso traz equilíbrio para nossas relações.
No entanto, há uma figura que se grassa pelas redes sociais e, porque não, por nossas vidas: a supersinceridade. Mas daí advém a pergunta: ser supersincero não é um superlativo de ser sincero? Não seria como uma honestidade com um plus?
Não, não seria. Isso porque somos seres emitentes de opiniões e informações, que são transferidas por meio da linguagem, seja ela falada, escrita, visual, dentre tantos outros meios. E é aí que mora o nó górdio. O problema não é transmitir a mensagem, mas a forma como ela é transmitida.
Inclusive, o crescimento do uso da expressão “falei, tô leve”, me fez pensar nisso. Veja: tal expressão apenas traz o lado do transmitente: Ele falou, ele ficou leve. Mas… e o destinatário? Vale lembrar que não vivemos sozinhos em sociedade, o que denota que, vez ou outra, teremos de tratar com outras pessoas e que, por isso, teremos de nos comunicar.
Porém, será que paramos para pensar em como o outro vai se sentir ao tocarmos em assuntos que consideramos difíceis? Assuntos como uma demissão, uma desilusão, uma perda, uma negativa, um questionamento. Seria falar “na lata” a melhor forma de abordar o assunto?
Não quero dizer que devamos nos esquivar de conversas complicadas, pelo contrário. Não há nada pior, na vida, do que assuntos inacabados, mal resolvidos e com arestas a aparar. Até porque a vida não é feita somente de pontos altos, e, portanto, receberemos negativas, passaremos por situações difíceis e conflitantes e com elas teremos de lidar.
Porém, quando precisamos abordar assuntos mais complicados, ou que sabemos ser delicados para nosso interlocutor, não seria melhor tratar com calma, em uma conversa aberta, olhos nos olhos, ao invés de somente largar a opinão e ir-se embora (ficando leve, e deixando o outro com todo o peso)?
Além disso, não deveríamos guardar nossas opiniões para nós mesmos, e somente emiti-las quando a pessoa que nos contar algo solicita-la? Claro que, caso consideremos muito o outro lado acho que devemos tratar com a necessária delicadeza, para que ele enxergue por si próprio, ao invés de despejar uma torrente de emoções que partem da nossa experiência, que, muitas das vezes, não é a mesma dele.
Vale dizer: não seria melhor pesar que bem se daria ao emitir sua opinião, naquele momento, e não em outro, de forma mais tranquila, e com a devida reflexão (ou até não falar, caso não traga bem algum à situação)?
Isso se coaduna a outro sintoma comum da vida social: Todos querem buscar a felicidade a qualquer custo, mas a felicidade individual, nunca a coletiva. Desde os consultórios até as redes sociais, o que mais se ouve é: “Você tem de ser feliz!”, mas a que meio, e a que custo?
Será que cada um de nós não possui uma valor diferente de felicidade? Uma pessoa não pode se sentir feliz em fazer outra feliz? Ela sempre tem de ser feliz por si só? (Claro, na sociedade em que se valoriza somente o indivíduo, e se teme o coletivo, sob uma pretensa e equivocada ideia de comunismo, não poderia se esperar algo diferente).
Assim, somos felizes, mesmo que isso custe a infelicidade do outro. Ou então, o somos em um modelo frágil, que talvez não nos atenda. Claro, a dominação pela divisão é mais simples (compre, compre, compre!).
Por fim, um exemplo do que digo (e, talvez, uma maneira de não se portar): lembro-me da primeira (e única, que me consta) vez que tive uma crise de ansiedade — comentei, com alguém, que havia acontecido um imprevisto em um compromisso com uma terceira pessoa. Minha interlocutora, ao invés de me dizer: “Bem, veja o que aconteceu, essas coisas são assim…”, disse, de forma mandatória: “Tá vendo? É assim que começa, fica de olho!”.
Ou seja, ao invés de tentar remediar a situação, meramente, colocou mais lenha na fogueira da desconfiança. Foram horas e mais horas de um medo paralisante. Mas, no fim, tudo ficou bem, e não tratei mais sobre o mesmo assunto, em qualquer circunstância com minha, então, interlocutora.
Vale dizer: “Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.” Uma vez que pousou no ouvido de outrem, já era. Tomemos mais cuidado, portanto.