On the verge…

Na língua inglesa existe uma expressão que me intriga muito: On the verge… (À beira de…)
Particularmente, acho que ela ilustra muito bem o Brasil (assim como sua contraparte em português). Vivemos no país do quase: à beira da democracia, à beira do respeito, à beira do emprego.
E por quê? Porque sempre que há a oportunidade de se ter uma discussão séria sobre algo, para que todos aprendam e reflitam, surgem vozes discordantes, que sequer possuem legitimidade para falar sobre o assunto em questão.
Um exemplo claríssimo se deu na última semana: em um programa televisivo de massa, um participante, ao colocar uma peruca de “homem das cavernas”, disse que ela seria igual ao cabelo “black power” de um dos outros concorrentes. Tal afirmativa gerou reação do dono do cabelo afro, que se sentiu ofendido com a comparação.
Veja-se a oportunidade: Era um momento propício para que as pessoas tomassem consciência de que uma brincadeira, nem sempre, é bem vinda, e que o cabelo afro não é só um cabelo, mas uma manifestação de identidade, de uma raça. Mas não, várias vozes se levantaram dizendo que a reclamação era “mimimi”, e que era apenas uma brincadeira.
Tais vozes se esquecem (ou fingem esquecer) do amplo massacre que passa a população preta e pobre deste país, do preconceito experimentado desde a tenra idade, da falta de oportunidades, da fome, da vida em um contexto violento. Para elas é só uma brincadeira, porque a brincadeira não é sobre elas.
E desse vácuo discursivo surge algo mais estapafúrdio: O racismo reverso. Porque essas mesmas vozes, não negras, quando enfrentam a inevitabilidade da discussão, passam a querer pautá-la , avocando, para si, uma vitimização inexistente.

Entendamos de uma vez por todas -> racismo é além do preconceito: é uma relação de poder.
Trata-se da dominação e subjugação de uma raça por outra, o que mina as chances de sobrevivência do dominado, sua saúde física e psíquica, e lhe tira oportunidades.
Um “branquelo” por mais que tenha sido rotulado dessa forma (o que é algo de mau gosto, diga-se), no Brasil, nunca precisou portar RG ao sair na rua, nunca se preocupou em tomar uma dura da polícia, ou, na maioria das vezes, não se preocupou se iria ter de comer no dia seguinte.
Por isso, só poderemos falar em racismo reverso se houver mais de 300 anos de escravidão de brancos por negros, e sua completa submissão ao ponto de sua existência ser ameaçada.
E assim, mais uma vez, a discussão foi interditada por quem deveria ouvir e refletir. Mais uma vez, a paixão por um estranho (e aqui cabe um parêntese sobre a inutilidade de se elevar, a um status inatingível, alguém tão imperfeito quanto nós mesmos, a ponto de seus maus feitos não poderem ser apontados e criticados — a tal da “perfeição”.) adulto, suplantou um assunto de social importância. Mais uma vez, apontou-se para o negro e se disse: “Você tem de ter calma para nos explicar, porque nós não fomos ensinados”.
E poderiam/deveriam saber, tanto pelo fato de se esperar moderação, educação e consenso de pessoas adultas, quanto pelo fato de que há lei, neste país, que determina o ensino de história e cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas (Lei 11.645/2008). Infelizmente, carece de aplicação.
Creio, no entanto, que somente o ensino de base pode nos tirar dessa quase-sociedade, ao nos colocar na pele do outro. Até lá, temos de lutar, ensinar a quem quer aprender, e buscar a guarida da lei contra aqueles que não nos entendem como pessoas de direitos.

Vamos prevalecer.