Sede perfeitos. Até quando?
Este não é um texto bíblico, apesar de a frase inicial do título estar em um texto bíblico. Quando falamos em perfeição, sempre nos referimos a algo inalcançável para o ser humano. Nós somos falhos, temos defeitos e virtudes, aprendemos com os erros (às vezes) e nos felicitamos com os acertos.
Porém, alguns têm de acertar mais do que outros, e aí reside o problema. Tanto se fala em meritocracia, em mito do homem de sucesso mas, como tratar destes temas em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira?
Indo além, quando se fala em ausência de igualdade, não se fala, na verdade, em posses ou pertences, mas sim em oportunidade. E o que é oportunidade? Em um contexto, meramente, gramatical, oportunidade quer dizer: “ocasião azada; circunstância oportuna, favorável para a realização de algo”.
Porém, em um contexto social, oportunidade se torna algo que define vidas, pois é o que dá, ao indivíduo, a possibilidade de ser quem ele quer ser.
Dessa forma, a disponibilização de oportunidades, a toda população, é dever de todo e qualquer governo que se preze. E não precisa ser nada muito complexo, como condições de vida ideais para que pessoas possam se ocupar, simplesmente, de viver, construir, trabalhar, cuidar dos seus.
Por isso, bate-se tanto na tecla de que é preciso haver serviços públicos disponíveis para que a população deles usufrua. Queres estudar? Há escolas de qualidade disponíveis para todos. Precisa de um atendimento médico de urgência? Há uma unidade de pronto atendimento para ir.
No entanto, o que se vê neste país, desde os tempos de império, é que as oportunidades são direcionadas, tão somente, para um seleto grupo de pessoas. Ou seja, trata-se de uma nação de privilegiados. Assim, por mais que, hoje, tenhamos igualdade formal (como dito pelo artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil), não temos igualdade material. Basta ver, nos dias atuais, quantas pessoas vivem em vulnerabilidade social.
Alguns dados chamam a atenção: de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), mais de 47% da população brasileira não tem acesso ao sistema de esgotamento sanitário, e mais de 16% não tem acesso a água tratada. Lembro-me, imediatamente, das inúmeras campanhas, nas décadas de 80 e 90, para que as pessoas fervessem a água antes de consumir, para não se contaminarem com Cólera. Talvez devessem ser reprisadas hoje.
Assim, não é possível falar em ‘meritocracia’ no Brasil. Simplesmente porque uns largam na frente dos outros. Ao que tudo indica, neste país o sucesso, na maioria das vezes, não vem do trabalho, mas sim do que o dinheiro pode comprar, ou então de quem se conhece e se indica.
Um belo exemplo disso é a forma como se comporta a “opinião pública” em relação aos afazeres de negros e brancos. De um branco sempre se espera as melhores coisas, e perdoa-se seus erros dando-lhe diversas chances, até que ele, finalmente, acerte. Quantas vezes, em rede social, apesar de um branco ter cometido um crime, muitos comentam de sua beleza, ou dizem que dever-se-ia dar uma chance?
De um negro, por sua vez, se espera que ele erre, por isso seu acerto, ou ascensão social é vista com grande surpresa. Mais, tomam-na como um modelo a ser seguido por todo e qualquer negro, sem nem se pensar em todo o sofrimento envolvido para se chegar àquele ponto. Desmerecem histórias de vidas diferentes, como se todo negro fosse igual.
Aliás, esse “igualar” negros, além de apagar suas histórias pessoais, possui outro fenômeno: O erro (já esperado) de um negro, joga a desconfiança sobre toda a negritude. Um claro exemplo disso é o do Ministro da Educação Carlos Alberto Decotelli da Silva. Ele foi o único que caiu por maquiar e mentir em seu currículo, mas não foi o único a maquiar e mentir em seu currículo. Por que será?
E que fique claro, quem não tem as qualificações exigidas para um certo cargo, nele não deveria ficar. Independentemente do tom de pele.
Daí vem a necessidade de ser “perfeito” para quem é negro. Se se espera que sempre erre, é preciso, sempre, acertar. Mas isso cobra seu preço. A expectativa de que lhe imputem qualquer responsabilidade sobre o que você esteja envolvido, mesmo que não diretamente, acaba por minar a confiança, a vontade e a autoestima da pessoa. Ora, se sempre se espera que eu erre, e quando acertar, não fizer mais que minha obrigação, que incentivo tenho para fazer melhor? Por que buscarei inovar?
Urge dividir responsabilidades, distribuir oportunidades e possibilitar, a todos, uma vivência mais saudável. Mas, ela não virá pelo sistema atual. De toda forma, não devemos buscar a perfeição, vez que inalcançável. Se cada um fizer sua parte, já estará de bom tamanho. Sigamos juntos.